Além do Conflito - Escutar o Sofrimento de Cada Gênero

Homens e mulheres carregam, em seus corpos, gestos e palavras, marcas que não começaram com eles. São histórias atravessadas por silêncios, mandatos inconscientes, modos de amar e sofrer que se repetem geração após geração.

Em tempos em que o embate entre os gêneros se intensifica nas redes sociais — onde acusações cruzadas tomam o lugar da escuta — talvez seja necessário fazer uma pausa e perguntar: de onde vêm essas dores que se chocam?

O que hoje se vê nas redes — essa tensão constante, o ruído, a troca de culpas — não nasceu agora. É o sintoma de uma história longa, feita de desencontros, expectativas desmedidas, idealizações e ressentimentos acumulados em camadas. São dores que não se escutam, apenas se enfrentam.

A psicanálise nos convida a olhar para além da superfície. O que se expressa como raiva, desprezo ou indiferença, muitas vezes é o eco de uma ferida antiga:
– do menino que aprendeu que não podia chorar, que precisava ser forte, conter o medo, sufocar o afeto, e se calar diante da dor;
– da menina que aprendeu que precisava agradar, ceder, calar os próprios desejos para merecer afeto e não ser rejeitada.

De um lado, o peso de séculos de silenciamento do feminino — a exaustão de quem precisou suportar, se adaptar, se desdobrar para dar conta de tudo e de todos.
Do outro, a rigidez do masculino — a limitação emocional de quem foi ensinado a não sentir, a não precisar, a não falhar.

Essas marcas são deixadas pelas primeiras experiências de amor, rejeição, ausência ou invasão. Moldam nossos vínculos futuros. Quando não elaboradas, voltam sob outras formas — e nos fazem repetir justamente o que mais tememos.

A ferida do masculino, muitas vezes invisível, aparece no medo de não ser suficiente, no receio de se expor demais e se tornar ridículo, na vergonha de precisar.
A dor do feminino pode se expressar no cansaço de ocupar lugares que nunca escolheu, na frustração de se doar e não ser reconhecida, ou na culpa por desejar mais do que lhe foi permitido.

Ambas as dores seguem presentes:
– Ela, muitas vezes, carrega o outro junto com sua própria história, sem ser ouvida.
– Ele, muitas vezes, endurece para não tocar naquilo que o fragiliza, e acaba afastando justamente o que mais deseja.

Mas não estamos condenados a repetir.

Ao colocar em palavras aquilo que nos atravessa, ao escutar o que se esconde por trás dos sintomas e ataques, é possível romper o ciclo. O encontro analítico é, nesse sentido, um espaço de reconstrução: onde o sujeito pode reconhecer suas marcas sem ser definido por elas. Onde ressentimento se transforma em elaboração; dor, em consciência; e conflito, em possibilidade de movimento.

Homens e mulheres não são inimigos por natureza. Mas para que possam se encontrar de forma mais verdadeira, é preciso que cada um se responsabilize pela própria história — sem projetar no outro todas as suas feridas.

Talvez o maior desafio seja esse: enxergar que o outro também sofre, ainda que de maneiras diferentes. E que por trás das ironias, da dureza, da fuga ou da acusação, existe quase sempre um pedido mal formulado de cuidado, de reconhecimento, de encontro.

Enquanto cada um seguir esperando que o outro repare uma ferida que ele mesmo não nomeou, os encontros continuarão a falhar.
Mas talvez, no momento em que se reconhece que essa guerra é antiga — e que, muitas vezes, lutamos contra fantasmas do passado — algo comece, de fato, a mudar.
Ainda que devagar. Ainda que doído.